Trabalhadores do Espírito Santo
só poderão ser demitidos, pelo menos em tese, apenas com justificativa
comprovada. Entendimento nesse sentido foi recentemente normatizado por uma
sumula do Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo (TRT-ES). Com a
medida, o enunciado passa a orientar a primeira instância trabalhista do
Estado. O tema aguarda há quase 20 anos decisão do Supremo Tribunal Federal
(STF).
Advogados de empresas receberam
a súmula com receio, pois temem que o entendimento possa gerar um efeito
cascata sobre outros TRTs do país.
A Súmula nº 42, editada pelo Pleno do TRT-ES em 14 de dezembro, não é
clara quanto aos requisitos para demissão dos empregados, apesar desse ser o
assunto abordado. O texto considerou inconstitucional o Decreto nº 2.100, de 1996, pelo qual
o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, denunciou a
validade da Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O tratado foi assinado em 1982 por diversos países e aprovado pelo
Congresso Nacional dez anos mais tarde. Em 1996, Fernando Henrique o ratificou
pelo Decreto nº 1.855. Oito meses depois,
porém, o revogou.
A Confederação Nacional dos
Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT)
entraram em 1997 com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin 1.625) no
Supremo para questionar a validade do decreto. Segundo as entidades, o
presidente não poderia denunciar tratado internacional sem a manifestação do
Congresso, que detém competência constitucional exclusiva.
O relator da sumula do TRT do Espírito Santo, desembargador Carlos
Henrique Bezerra Leite, afirma que mesmo tendo a convenção sido formalmente
denunciada é possível decretar inconstitucional o decreto que revogou a
participação do Brasil na Convenção 158. Segundo ele, houve afronta ao inciso I do
artigo 49 da Constituição.
De acordo com esse dispositivo "é da competência exclusiva do Congresso
Nacional resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio
nacional".
O desembargador ainda ressalta
que no julgamento em trâmite no Supremo já se contabilizam quatro votos dos
ministros pela inconstitucionalidade da medida. Com a decisão do Pleno e a
edição da súmula, o processo voltará para a 3ª Turma do tribunal para ser
julgado o caso concreto.
No Supremo, o julgamento foi iniciado em 2003, com o voto do relator,
ministro Maurício Corrêa, já falecido. O ministro votou na época pela
procedência parcial da ação. Ele avaliou que o Decreto nº 2.100 só produziria
efeitos a partir da ratificação do ato pelo Congresso Nacional. Ele foi seguido
pelo ministro Ayres Brito, já aposentado. Em 2006, o ministro Nelson Jobim,
também já aposentado, votou pela improcedência do pedido. Em 2009, o ministro
Joaquim Barbosa (aposentado) e a ministra Rosa Weber votaram pela procedência
total da ação.
Em 2016, o entendimento foi
seguido pelo ministro Teori Zavaski, que votou pela improcedência da ação com a
condição de que os futuros tratados denunciados sejam submetidos ao Congresso.
Então, o ministro Dias Toffoli pediu vista.
O advogado Luiz Alberto Macedo
Meirelles de Azevedo, do De Vivo, Whitaker e Castro Advogados, afirma que essas
súmulas, normalmente, geram impacto não só no TRT que passará a aplicá-las mas
em outros tribunais regionais que podem editar orientações semelhantes.
"Isso gera uma insegurança jurídica enorme, pois cada Estado vai definir o
tema de acordo com o seu TRT. Se uma empresa quer abrir uma filial, por
exemplo, vai escolher Estados em que ela possa demitir sem justificativa",
diz. Para ele, um assunto tão importante tem que ser definido pelo Supremo.
O gerente-executivo jurídico da
Confederação Nacional da Indústria (CNI), Cassio Borges, afirma que a sumula do
TRT do Espírito Santo "é um balde de água gelada no empresariado,
principalmente neste momento de crise". Segundo ele, o Brasil convive há
20 anos sem aplicar a Convenção nº 158, que durou apenas oito meses em 1996.
"Esse ponto deveria ter sido ponderado, porque é uma grande mudança, até
porque o processo encontra-se em julgamento no Supremo e não foi
finalizado", diz.
De acordo com Borges, que tem
acompanhado as sessões de julgamento do tema, o ministro Teori Zavascki foi
enfático ao reconhecer que há uma tradição constitucional no Brasil de que
essas mudanças só podem ocorrer pelo Congresso, mas propôs que isso seja
colocado em prática em atos a partir do julgamento. Nesse sentido, não haveria
a aplicação da Convenção nº 158. "Com a Súmula do TRT o tribunal dá
efetividade imediata e na contramão do que pode ser o resultado no Supremo",
diz.
Ainda ressalta o gerente da CNI
que o Supremo, ao julgar a Adin 1.480, reconheceu a impossibilidade de a
Convenção nº 158 entrar em vigor no Brasil.
De acordo com o secretário
nacional de assuntos jurídicos da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Valeir
Ertle, a súmula do tribunal capixaba está exatamente no mesmo sentido que a
entidade defende no Supremo. "É muito importante que os demais TRTs se
posicionem, já que o Supremo tem demorado tanto para julgar". Segundo ele,
o Brasil tem uma rotatividade fora do comum.
"Na área do comércio, por
exemplo, é de 70% a 80%. O brasileiro vive em uma situação muito ruim. Como
pode demitir sem justificativa, o patrão chega um dia de mau humor e demite
um", diz. O secretário da CUT afirma que deve pedir uma audiência, junto
com outras entidades dos trabalhadores, com a presidente do Supremo, ministra
Cármen Lúcia, para solicitar que o tema seja incluído na pauta de julgamentos
novamente.”
Fonte: Valor Econômico / jusbrasil.com.br